2025-08-12 HaiPress
Economista e ex-presidente do BC,Arminio Fraga diz que tarifaço pode afetar o Brasil,mas problemas internos são maiores — Foto: Leo Martins
GERADO EM: 11/08/2025 - 19:45
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O economista e ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga reconhece que o tarifaço imposto ao Brasil pelo presidente dos Estados Unidos,Donald Trump,deve afetar o PIB do Brasil,mas avalia que os principais problemas que impedem um crescimento maior do país ainda são internos. Em entrevista ao GLOBO,Arminio cita a situação fiscal,os juros altos,problemas de segurança e corrupção como questões a serem resolvidas. Por isso,afirma,o pacote preparado para socorrer empresas afetadas pela tarifa de 50% precisa considerar a “frágil” situação fiscal do Brasil.
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— Nós estamos mal parados em muitas áreas no que diz respeito à produtividade do Brasil — afirmou o ex-presidente do BC.
Para Fraga,os EUA pegaram “pesado” com o Brasil,sobretudo porque o “tiro” foi diferente de outros países,com argumentos que envolvem o Judiciário brasileiro. Mas,apesar do momento político tenso,o economista se diz confiante sobre a possibilidade de o governo brasileiro negociar melhores condições no tarifaço com a gestão Trump.
Além da questão política,Fraga só não vê espaço para negociar sobre o Pix,que considera um “espetáculo”:
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— Eles é que têm que se mexer.
Como o senhor vê o momento atual,considerando a sobretaxa de 50% dos EUA sobre parte das exportações brasileiras?
Veio um pancadão,com muitas exceções. Há espaço para negociar. Prejudicamos a nós mesmos durante esses anos todos,esperando um grande movimento na OMC (Organização Mundial do Comércio) que nunca aconteceu,e o mundo inteiro negociando,construindo parcerias,pontes. Então,seria um efeito colateral positivo destravar essas negociações.
Mas há uma questão política na mesa,com exigências de Trump ao Supremo Tribunal Federal (STF) em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro. Como lidar com isso?
Eu acho extremamente preocupante,já me manifestei publicamente que é inaceitável ter ancorado esse “tirambaço” em cima de nós em uma posição política de defesa do ex-presidente,que está no meio de um momento tenso também,de julgamento. Mas isso é uma questão nossa.
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E,em última instância,eu espero que a coisa seja conduzida de uma maneira tal que se chegue a decisões bem fundamentadas,para não repetir erros que foram cometidos em outras circunstâncias no passado,processos mal estruturados,com falhas de natureza jurídica,o que seria uma grande pena.
A quais erros o senhor está se referindo?
Tudo o que aconteceu com o mensalão e com o petrolão (Operação Lava-Jato). Réus confessos recebendo dinheiro. Se a coisa tivesse sido bem conduzida,hoje em dia eles estariam pagando suas penas,alguns já até pagaram,mas foi um grande fiasco em última instância. Esses cuidados precisam ser respeitados.
Esse episódio mostra que sair do caminho de respeitar o processo legal é uma grande ilusão e um grande erro. Não estou dizendo que isso será feito agora,mas problemas já existem. E é preciso um certo cuidado.
O que o Brasil precisa fazer para aumentar a abertura comercial?
Eu me refiro ao protecionismo em todas as suas versões,as tarifas são a mais visível,mas existem outras ferramentas protecionistas,e o assunto é técnico. O Brasil tem conversas com a Europa relativamente avançadas,mas ainda com obstáculos na reta final.
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O Mercosul,que foi a nossa grande aposta,tem sido um zigue-zague. Ora a Argentina não está bem,ora o Brasil não está bem. Eu acho que a postura lá também é mais para liberal com o presidente (Javier) Milei. O Brasil pode e deve continuar a explorar esses canais.
É possível dizer que o Brasil não tem muitos argumentos para reclamar de Trump porque é um país muito fechado?
Não,eu acho que eles pegaram pesado na resposta,mas não consigo enxergar ainda onde exatamente os EUA querem chegar. Se o ponto de chegada for tarifas baixas com reciprocidade,pode não ser tão ruim. Algumas das reclamações americanas são compreensíveis. O custo da defesa militar da Europa vinha sendo majoritariamente arcado pelos EUA.
O argumento político faz do nosso caso do tarifaço “sui generis” no mundo?
Eles começaram com um primeiro tiro para cima de nós diferente da esmagadora maioria,se não de todos os outros. Se houve algum erro nosso,veio mais atrás,justamente na nossa relação com os EUA.
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Na campanha americana,o Brasil se posicionou claramente a favor do (Joe) Biden,claramente contra o Trump. De lá pra cá,essa relação basicamente não existe. Creio que foi um erro crasso da nossa diplomacia.
Quais temas o senhor acha que são viáveis de negociar?
Tem muito a se discutir e tem muito espaço para melhorar. Terras-raras é um tema super quente,global. O Brasil tem regras para exploração mineral,existem muitas empresas estrangeiras trabalhando nisso. Acho que tem espaço para algum tipo de discussão. Não é assim: ‘Ó,está aqui,me dá as terras-raras”. Isso não vai acontecer,não é disso que se trata. Mas existem modelos de exploração que eventualmente podem ser discutidos.
E tem todo o nosso arcabouço de comércio exterior,repleto de itens protecionistas. Então,acho que tem muito espaço,porque o Brasil tem sido historicamente um país mais fechado. O Pix certamente incomoda as bandeiras de cartão de crédito.
Mas é possível negociar sobre o Pix?
O Pix reflete o incômodo dos concorrentes. Mas vai fazer o quê? Voltar atrás? Vai cobrar o povo aqui? Esquece,não vai acontecer. Eles é que têm que se mexer,é problema deles. Nós aqui temos que aprimorar o nosso,cada vez mais. O Pix é um espetáculo,o Brasil está voando nessa área. Esse é um modelo vencedor. Ele é extremamente eficiente e barato.
O governo deve anunciar nos próximos dias um pacote de socorro aos setores afetados pelo tarifaço. Quais são os cuidados que o governo tem de tomar?
Esse é um tema difícil de comentar sem ter ideia dos detalhes. Tendo a ser mais mão leve,mas entendo que,em alguns momentos,pode ser necessário algum tipo de intervenção. Mas me incomoda muito,neste momento,a muito frágil situação fiscal do Brasil. Não dá para o Brasil repetir o esforço que foi feito durante a pandemia. O Brasil está pagando juro real de 10% no curto prazo e,no longo prazo,7 e pouco por cento. Isso é um sinal muito ruim.
Qual deve ser o impacto do tarifaço sobre o PIB do Brasil?
Acho que o impacto sobre o PIB brasileiro vem muito mais de questões internas do que externas. Algum impacto é provável,não está muito claro que vai ter um enorme impacto,pode ser setorialmente.
Nossos problemas enormes estão aqui dentro. É a situação fiscal,o Banco Central abandonado,sem apoio fiscal,com esses juros altíssimos. É a situação da segurança,é a situação da corrupção. Isso é tudo coisa nossa. E é um país que investe muito pouco.
Então nós estamos mal parados em muitas áreas no que diz respeito à produtividade do Brasil e à possibilidade de o Brasil crescer mais,melhor e de forma mais justa.